Em alusão ao Dia Mundial da Prevenção do Suicídio, celebrado em 10 de setembro, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) convidou autores do guia “Orientações para a atuação profissional frente a situações de suicídio e automutilação", publicado pelo Conselho em 2020 (disponível aqui), para compartilharem reflexões sobre o tema a partir de seus locais de atuação profissional, vivências e linhas de pesquisa atuais.
Hoje compartilhamos o artigo do pesquisador Renan Lyra, que é doutor pela Universidade de Otago, na Nova Zelândia, pesquisador da Queen's University Belfast, na Irlanda do Norte, e mestre pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília (UnB), onde também realizou sua formação em Psicologia.
No artigo, o pesquisador aborda a complexidade do trabalho de prevenção ao suicídio e reflete sobre o lugar de profissionais de saúde e outras pessoas situadas na condição de “cuidadores”, explorando conceitos como “fadiga de empatia” ou “fadiga por compaixão” para destacar a importância da garantia de condições dignas de trabalho e de um debate mais aprofundado sobre responsabilidade institucional.
Confira:
O suicídio representa um dos fenômenos mais complexos — e frequentes — da clínica psicológica na atualidade. O filósofo Emmanuel Lévinas propõe que o rosto do outro nos convoca à responsabilidade, nos desinstala de nós mesmos. Arrisco dizer que a questão do suicídio seja o fenômeno que mais nos “convoque” ao cuidado enquanto profissionais da saúde mental.
Segundo dados da Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMEDE), em 2023 foram registradas 11.502 internações por tentativas de suicídio no Sistema Único de Saúde (SUS). Isso equivale a mais de 30 internações por dia por lesões autoprovocadas. Além da subnotificação de casos, tais números não abrangem outros comportamentos relacionados ao suicídio, como a ideação suicida e a autolesão não suicida, ambos ainda mais frequentes na prática clínica.
Diante da tendência observada em muitos países no aumento dos comportamentos suicidas, é inevitável que o profissional de saúde mental — psicólogo, psiquiatra, terapeuta ocupacional, assistente social, entre outros tantos — se depare, em algum momento de sua trajetória, com a dor psíquica intensa do outro durante uma crise do tipo suicida.
Durante minha graduação, a temática do “cuidado do cuidador” foi abordada de maneira breve, ainda que reconhecida a importância do assunto. Em minha pesquisa de doutorado, entrei em contato com o conceito de “fadiga de empatia” ou “fadiga por compaixão”. A fadiga por compaixão descreve o desgaste físico, mental e emocional vivido por profissionais que se envolvem intensamente com o sofrimento do outro. O trabalho baseado na empatia pode levar à exaustão, diminuição da “disponibilidade” empática do indivíduo em diversas esferas e, paradoxalmente, ao distanciamento emocional como forma de autodefesa — tanto dos pacientes quanto dos próprios vínculos afetivos. Profissionais afetados por esse esgotamento prolongado podem apresentar sintomas semelhantes aos do transtorno de estresse pós-traumático – fenômeno conhecido como estresse traumático secundário.
Quantas vezes nos vemos emocionalmente esgotados após um dia de agenda cheia?
No Brasil, a realidade do subfinanciamento da saúde mental muitas vezes nos obriga a acolher mais pacientes do que conseguimos escutar verdadeiramente. O cansaço, nesse contexto, deixa de ser apenas uma reação fisiológica e se torna um sintoma da estrutura social e institucional que negligencia o bem-estar dos trabalhadores.
E como, de fato, lidar com esse esgotamento?
Durante a formação, escutamos repetidamente: “Façam terapia.” Embora essa seja uma recomendação válida, ela nem sempre é acessível financeiramente, especialmente para estudantes e recém-formados. Ademais, focar na questão do esgotamento emocional como algo a ser “tratado” coloca a responsabilidade sobre o cuidado como algo individual e descontextualizado da realidade social em que estamos inseridos.
O cuidado com os profissionais de saúde mental precisa ser também uma responsabilidade institucional. É necessária uma mudança política sobre o cuidado com o bem-estar emocional dos trabalhadores, o que envolve também uma reestruturação da jornada de trabalho.
Não há resposta simples frente a essa questão. No entanto, é necessário resistir à desumanização no contexto de trabalho. Garantir condições dignas aos profissionais de saúde mental (e a todos os trabalhadores) é o primeiro passo para que possamos repensar uma efetiva prevenção do comportamento suicida.
>>> Caso se encontre em um momento de intenso sofrimento psíquico, é recomendado que não se isole em suas dores. Busque compartilhar o que está passando com profissionais que estejam capacitados para auxiliá-la(o).
>>> Um dos locais de escuta disponíveis gratuitamente em todo o Brasil é o Centro de Valorização da Vida (CVV). O atendimento do CVV é realizado pelo telefone 188 (24 horas por dia e sem custo de ligação), chat, e-mail e pessoalmente em alguns endereços. Saiba mais em: https://cvv.org.br/
#DescreviParaVocê: card colorido, predominantemente nas cores lilás e amarelo, destaca o dia 10 de setembro como data em que se chama a atenção para a prevenção do suicídio. Na imagem, é destacado um trecho do artigo e a foto do autor, além de constar a marca gráfica do CRP 01/DF.