Em alusão ao Dia Mundial da Prevenção do Suicídio, celebrado em 10 de setembro, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP 01/DF) convidou autores do guia “Orientações para a atuação profissional frente a situações de suicídio e automutilação", publicado pelo Conselho em 2020 (disponível aqui), para compartilharem reflexões sobre o tema a partir de seus locais de atuação profissional, vivências e linhas de pesquisa atuais.
Hoje compartilhamos o artigo do psicólogo Rubens Bias (CRP 01/21418), que foi coordenador da referida publicação e atua como analista de políticas sociais no Ministério da Saúde desde 2013, tendo participado do Comitê de Prevenção ao Suicídio. No artigo, o psicólogo aborda cuidados a serem adotados por profissionais de Psicologia em campanhas de mobilização social como o Setembro Amarelo, além de destacar os principais pontos do guia publicado pelo CRP 01/DF e discutir perspectivas de atuação em saúde coletiva a partir do conceito de promoção de saúde.
Confira:
Setembro chegou e temos novamente um momento importante para nós, profissionais que trabalhamos com cuidado em saúde mental. Escolas, serviços de assistência social, empresas e as redes sociais realizam diversas ações voltadas à prevenção ao suicídio e demandam a participação de psicólogas e psicólogos. Essa grande mobilização social traz possibilidades e riscos.
Temos a incrível oportunidade de debatermos saúde mental com quem não costuma fazer isso. Psicólogos são um dos principais especialistas no assunto, no entanto, é de interesse de todas as pessoas entender como construir e estimular uma vida com saúde mental. Em setembro, TVs, jornais, professores, assistentes sociais, gestores de RH estarão organizando atividades e chamando especialistas a darem suas contribuições. Somos convocados para sair de debates acadêmicos ou do foco excessivo no atendimento individual para ações mais abrangentes.
Na saúde coletiva, um dos pilares da saúde é o conceito de promoção de saúde. Segundo a Carta de Ottawa, é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Entre os campos centrais de ação propostos pela Carta, estão ações do Estado (políticas públicas saudáveis), da comunidade (reforço da ação comunitária), de indivíduos (desenvolvimento de habilidades pessoais), do sistema de saúde (reorientação do sistema de saúde) e de parcerias intersetoriais. Setembro Amarelo é um momento propício para se pensar e se fazer promoção de saúde mental. Embora existam riscos.
Um dos riscos é que o Setembro Amarelo traga mais malefícios do que benefícios, mais sofrimento que saúde. Todos percebemos que essa é uma época em que circulam preconceitos, culpabilizações, profissionais tentando faturar financeiramente com a temática. E certamente a resposta a essa situação é a fundamentação teórica e ética das orientações ofertadas pelos profissionais de Psicologia.
Um segundo risco fundamental que todos os profissionais de Psicologia devem entender muito bem é o efeito Werther, quando ocorre uma espécie de efeito de contágio ao tematizar a questão e, ao invés de prevenir, levamos ao aumento de suicídios. Precisamos equilibrar o combate ao preconceito e ao silenciamento adoecedor com práticas de cuidado, rigor técnico e ética.
Um terceiro risco enorme do Setembro Amarelo é reforçar lógicas medicalizantes, patologizantes, individualizantes. Todo profissional de Psicologia deve estar atento a essa tendência que vem da lógica biomédica de colocar o sofrimento psíquico como um mero desequilíbrio bioquímico de um órgão em mal funcionamento, o cérebro. O suicídio, a ideação, a tentativa, são fenômenos multidimensionais causados e reforçados por múltiplos fatores. E como sabemos, problemas complexos exigem respostas complexas. Ou, como diz aquela frase famosa: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.”
O guia “Orientações para a atuação profissional frente a situações de suicídio e automutilação”, publicado pelo CRP 01/DF, busca enfrentar esses problemas recorrentes na prática psi. O guia foi escrito pelas principais referências profissionais da temática e eu tive a honra de coordenar.
Ele traz elementos mais tradicionais em uma publicação desse tipo, como a psicodinâmica do sujeito e estratégias e técnicas de cuidado. Ali podemos entender, por exemplo, a importância de ter alguém disponível para um momento de crise com o objetivo de diminuir a letalidade, ou compreender a ambiguidade da intencionalidade dos comportamentos suicidários e como isso pode ajudar no manejo da situação. Ou ainda que são grandes fatores de risco a existência de uma tentativa anterior da própria pessoa ou de alguém próximo.
O guia discute ainda a rede de serviços. No Brasil, o SUS dá direito ao cuidado integral e universal, apesar de problemas e dificuldades que todos conhecemos, e isso permite uma rede de atenção e cuidado ampla, assim como a existência do Sistema Único de Assistência Social, clínicas-escolas, entre outros que permitem uma atuação intersetorial potente.
Por fim, um dos pontos mais inovadores e significativos do guia é trazer determinação social de saúde mental para o debate. Esses dados epidemiológicos nos permitem compreender melhor a saúde mental como produto de múltiplas e complexas interações, que incluem fatores biológicos, psicológicos e sociais.
Um exemplo importante é que beneficiários do Programa Bolsa Família tiveram taxas de suicídio 56% menores segundo estudo publicado a partir da base de dados construída pelo Cidacs da Fiocruz, com mais da metade da população brasileira, a coorte de 100 milhões de brasileiros.
Outro exemplo fundamental: suicídios são 14% menores em municípios com CAPS, segundo boletim epidemiológico de 2019 do Ministério da Saúde.
E seguem dados sobre a relação do fenômeno com desemprego, escolaridade, uso abusivo de álcool e outras drogas, discriminação por raça. E como se relaciona com a vivência de pessoas LGBT+, indígenas, entre outros. Vale a pena a leitura.
Devemos pautar e defender “saúde mental de janeiro a janeiro”, como propõe o Conselho Federal de Psicologia (CFP). Em um desses meses, em setembro, podemos “aproveitar” a demanda social concentrada sobre um fenômeno relacionado ao sofrimento psíquico para pautar a sociedade em torno da construção de relações mais saudáveis, que promovam a vida.
>>> Caso se encontre em um momento de intenso sofrimento psíquico, é recomendado que não se isole em suas dores. Busque compartilhar o que está passando com profissionais que estejam capacitados para auxiliá-la(o).
>>> Um dos locais de escuta disponíveis gratuitamente em todo o Brasil é o Centro de Valorização da Vida (CVV). O atendimento do CVV é realizado pelo telefone 188 (24 horas por dia e sem custo de ligação), chat, e-mail e pessoalmente em alguns endereços. Saiba mais em: https://cvv.org.br/
#DescreviParaVocê: card colorido, predominantemente nas cores lilás e amarelo, destaca o dia 10 de setembro como data em que se chama a atenção para a prevenção do suicídio. Na imagem, é destacado um trecho do artigo e a foto do autor, além de constar a marca gráfica do CRP 01/DF.