A II Marcha Nacional das Mulheres Negras ocorreu nessa terça-feira, 25 de novembro, na Esplanada dos Ministérios. A primeira edição deste protesto ocorreu há 10 anos, com a temática “Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver” mobilizando mais de 100 mil pessoas.
As psicólogas do Distrito Federal somaram-se as mulheres negras de todo o país, organizadas com o apoio da Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es), do Centro de Pesquisa, Formação e Referência em Relações Raciais (AMMA Psique e Negritude) e da Comissão de Raça, Povos Indígenas e Povos Tradicionais do CRP 01/DF, com faixas e cartazes com palavras de ordem por reparação histórica e bem viver.
“A gente está em uma época em que sabemos que sobreviver é importante – e nós sobrevivemos apesar de um Estado genocida –, mas queremos também viver bem, viver com qualidade, queremos viver em paz pelos nossos sonhos, e a Psicologia precisa estar aqui para que isso se possa se tornar realidade”, defende a conselheira secretária do CRP 01/DF, Isadora Araújo.
A conselheira presidenta da Comissão de Raça, Povos Indígenas e Povos Tradicionais do CRP 01/DF, Daniela Calaça, reafirmou a responsabilidade profissional de psicólogas e psicólogos com buscar de compreensão sobre as dimensões subjetivas e estruturais de fenômenos complexos como os que orientam as relações de raça, gênero e classe social no Brasil: “Nós, psicólogas negras, marchamos porque nós carregamos, em nossos próprios corpos, as inviabilizações políticas e históricas, e também porque nós sabemos que a saúde mental não está dissociada das condições de vida, das violências estruturais de raça e de gênero, que são ausências históricas provocadas pelo processo de escravização que, infelizmente, ainda é vivo”, destaca.
A integrante da Comissão de Raça, Povos Indígenas e Povos Tradicionais do CRP 01/DF, Lenir Soares, chamou atenção para como os aspectos estruturais das relações raciais no Brasil impactam a saúde da população e, em especial, de mulheres negras: “Hoje, nós psicólogas do DF marchamos pela reparação e pelo bem viver, entendendo que a população negra, as mulheres negras estão carentes ainda de saúde mental. O bem viver não existe por conta das diferenças sociais, o que acarreta a saúde das mulheres, o viver das mulheres negras e de toda a população. Então, hoje estamos marchando e lembrando mais uma vez que as mulheres negras querem e têm direito à reparação histórica e bem viver na promoção da sua saúde mental”, pontua a psicóloga. Bem viver é um conceito de origem indígena que, na contramão da perspectiva consumista do capitalismo, prioriza a integração com a natureza, a convivência pacífica entre os seres vivos e a coletividade fraterna como um modo de vida sustentável.
A conselheira do CRP 01/DF, Amanda de Moraes, convocou toda a categoria para assumir o compromisso de luta da profissão: “As psicólogas negras estão hoje em marcha em prol da saúde integral da população negra, especialmente das mulheres negras, que são as pessoas que carregam este País. Sendo a base da estrutura do Brasil, significa que elas são as mais atingidas por questões de saúde mental, física e psicossocial em geral. A gente quer mudar essa realidade e, por isso, estamos aqui marchando e convocando para que venham com a gente”, salienta a conselheira.
Para a psicóloga Joyce Avelar, a Marcha 2025 é também um momento de celebrar a existência: “(...) Por muito tempo, as mulheres negras foram silenciadas, e a gente sabe da importância de nos unirmos, de reivindicarmos, de gritar por nossas vozes e estarmos juntas pela reparação e pelo bem viver. É importante a gente pensar em saúde mental sempre articulada à garantia de direitos, à garantia de cidadania, de felicidade e ao riso. Então, por isso é muito importante estarmos juntas hoje, celebrando nossas existências, potencialidades e singularidades”, defende. Reparação histórica é uma demanda antiga da militância negra brasileira, podendo ser compreendida, de maneira resumida, como o conjunto de ações políticas e jurídicas com o objetivo de mitigar desigualdades causadas por eventos históricos de grande relevância, como a escravização de pessoas negras pelos portugueses no Brasil Colônia e Império. Políticas como as cotas raciais e programas de redistribuição de renda são compreendidos como medidas reparadoras.
Na avaliação da psicóloga, servidora pública aposentada e militante antirracista, Márcia Maria da Silva, a Psicologia precisa ocupar todos os espaços possíveis de conscientização da sociedade brasileira: “Eu acho que é importante um movimento como esse, em que tenhamos cada vez mais consciência do lugar que nós ocupamos na sociedade, principalmente nesses momentos complicados de política nacional, em que muitas pessoas negras não reconhecem o seu lugar. Então, nosso lugar é um lugar ainda de muita luta, de dificuldade, e a gente tem que continuar lutando pelos nossos direitos e por equidade”.
Lideranças negras de diversos lugares do planeta marcaram presença na II Marcha 2025, com o objetivo de pressionar pela construção e implementação de políticas públicas que contemplem as necessidades da população negra brasileira. O protesto também fortalece a articulação global das mulheres negras, na luta pela recuperação da memória histórica das pessoas negras e atuação política institucional. Diversas atividades preparatórias ocorreram ao longo do ano em todo o Brasil, como a Jornada “Psicólogas Negras: cuidado, acolhimento e ancestralidades em marcha por reparação e bem viver”, realizada pelo CRP 01/DF e ANPSINEP na última segunda-feira (24/11) e que só foi possível com a colaboração e apoio de diversas voluntárias, especialmente estudantes de graduação em Psicologia e equipes de práticas integrativas atuantes no SUS/DF.
Ao longo do dia, a Marcha seguiu com protestos, sessão solene, shows, feiras colaborativas e outras atividades em Brasília, reunindo mais de 300 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios já nas primeiras horas do dia. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheridades negras (incluindo toda a diversidade de existências cis, trans, urbanas, rurais, LGBTQIAPN+ e muitas outras) somam 60,6 milhões de pessoas no Brasil, o que corresponde a cerca de 28% da população do País. Diversos estudos vêm apontando, no entanto, que a população negra continua como grupo mais vulnerável socialmente em termos de renda, acesso a oportunidades e garantia de direitos, segundo dados de 2024 do IBGE.
*Relato construído com a colaboração da conselheira vice-presidenta do CRP 01/DF, Glícia Feitoza.
#DescreviParaVocê: carrossel colorido com registros fotográficos da Marcha Nacional das Mulheres Negras 2025 na Esplanada dos Ministérios, em Brasília-DF. Aparece uma chamada para leitura do relato colaborativo completo no site do Conselho, além da marca gráfica do CRP 01/DF.