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21 DE SETEMBRO: DIA NACIONAL DE LUTA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

21 DE SETEMBRO: DIA NACIONAL DE LUTA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA


Entrevista com a psicóloga Aline Wanderer (CRP / 13215) >>> Leia em "Veja mais". Para ver a lista completa de notícias do site, clique no botão "VER TODOS".


Para celebrar o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, comemorado nesta segunda-feira (21), a Comissão Especial de Psicologia na Educação do CRP 01/DF convidou a psicóloga Aline Wanderer para compartilhar suas experiências e reflexões sobre as contribuições da Psicologia no tema. Aline (CRP 01/13215) é psicóloga graduada pela Universidade de Brasília (UnB). Possui curso de formação em Abordagem Centrada na Pessoa pelo Centro de Psicologia Humanista de Brasília (CPHB); é especialista em terapia familiar pelo Instituto de Pesquisa e Intervenção Psicossocial (Interpsi/PUC-GO); é mestre em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde pela Universidade de Brasília (UnB); em processo de conclusão de curso de pós-graduação lato sensu em Psicologia Humanista – Abordagem Centrada na Pessoa pela União de Estudos e Pós-graduação (Unepós). Atua na Coordenadoria Psicossocial Judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (COORPSI/TJDFT) desde 2006, atendendo famílias e assessorando magistrados em temáticas relacionadas à violência familiar (contra a mulher e contra crianças e adolescentes), e à proteção e estabelecimento ou não de curatela em face de sujeitos com deficiência ou sofrimento psíquico grave.

A opção por uma atuação profissional que favoreça o desenvolvimento de todos os sujeitos, nos vários contextos de trabalho da Psicologia, e a construção de uma sociedade menos desigual, não é propriamente de ordem científica, mas de ordem ética. Cabe à Psicologia utilizar suas ferramentas e recursos para comprometer-se com esse projeto.”

Confira a entrevista completa a seguir:

Qual a importância de ter um dia de luta da pessoa com deficiência?

Historicamente, o lugar social ocupado pelas pessoas hoje reconhecidas como pessoas com deficiência foi se alterando, respondendo a fatores de ordem cultural, social, política, econômica, religiosa e científica de cada época. Entretanto, esse movimento foi sempre marcado pela tensão entre um 'nós' e um 'outros, entre o que é considerado parte e o que está fora, o que é aceito e o que é diferente; havendo um não-lugar e uma invisibilização do polo que deve estar fora desse “nós”. Assim, construiu-se um processo de menos-valia social que é enfrentada pelas pessoas com deficiência.

O crescente debate em torno do tema que ocorre nas últimas décadas, protagonizado de forma bastante relevante por grupos compostos pelas próprias pessoas com deficiência e outros movimentos da sociedade civil e acadêmicos têm ajudado a trazer à tona a consciência acerca da questão. Falar sobre um fenômeno, nomeá-lo, explicitar as tensões e paradoxos que ele suscita, implica trazer-lhe existência concreta, dar-lhe sentido e significado.

O dia de luta da pessoa com deficiência é um elemento nesse processo de nomeação, desinvisibilização, do fenômeno da exclusão social desse seguimento de indivíduos. Auxilia a trazer à luz a intensa desigualdade engendrada pelos processos sociais perversos de exclusão e a promover debates, diálogos e construções conjuntas para uma agenda de ações concretas.

Entretanto, vale citar que o nome atribuído ao dia também pode ser problematizado, porque se pensar em um dia de luta da pessoa com deficiência pode dar a entender que essa ação “a luta” é devida apenas a esses sujeitos, ideia que vem muito ao encontro da noção, muito difundida no senso comum, de que as pessoas com deficiência devem demonstrar “superação”, “heroísmo”, serem dignas de admiração, quando obtêm alguma visibilidade em papéis sociais valorizados, como se fosse essa “luta” uma dimensão da alçada individual ou familiar.

A luta deve ser pelos direitos das pessoas com deficiência e se trata de um compromisso de ordem coletiva, um projeto de sociedade que, como tal, é da conta de todas as pessoas e seguimentos sociais, o que inclui as próprias pessoas com deficiência, mas não pode se circunscrever a elas.

Como você compreende a deficiência nas relações sociais?

A deficiência é um fenômeno complexo que se dá no encontro entre determinadas configurações corporais ou psicológicas com o entorno social, no qual essas condições são elementos que provocam estranhamento e desvalorização e, assim, suscitam a exclusão do coletivo. Constrói-se na medida em que esse encontro dificulta ou impede que os sujeitos que apresentam determinadas condições encontrem as possibilidades necessárias para a promoção de seu próprio desenvolvimento psicológico de modo pleno. A deficiência não é, assim, uma ocorrência ou tragédia de ordem individual, vinculada a determinada condição corporal ou diagnóstico médico que acomete uma pessoa. Tem a ver com a forma como essa condição ganha relevância no modo como essa pessoa é recebida e inserida ou não na coletividade, que lhe nega o acesso a fatores que seriam essenciais para seu crescimento individual, desenvolvimento psicológico, capacidade de protagonismo, exercício das próprias escolhas e cidadania.

Qual o papel da educação na luta contra o capacitismo e promoção de acolhimento da diversidade humana?

A educação tem um papel essencial. Primeiramente, é um espaço privilegiado para o convívio com a diversidade humana e para o equacionamento das diferenças, na busca de objetivos comuns, como a instrução ou a formação integral de um coletivo representado por uma comunidade escolar, por exemplo. Pensar uma educação inclusiva, para todos, é uma condição que permite que os estudantes possam conviver, desde sempre, com pessoas que apresentam configurações corporais e/ou psíquicas diversas das suas. Ter essa oportunidade na escola é primordial já que, nos demais espaços coletivos, geralmente, as pessoas com deficiência são dificilmente encontradas, dado o processo de intensa exclusão social que vivenciam. Note-se que, embora as pessoas com deficiência sejam uma parte expressiva da população, não é raro ouvir pessoas sem deficiência declararem que nunca em suas vidas tiveram qualquer contato com indivíduos com essa condição, seja na escola, no trabalho, na família ou no espaço público. Isso não é indicador de que pessoas com deficiência não existem (já que estão contabilizadas nos censos populacionais); demonstra, entretanto, que lhes é negada a vida pública, estarem na cidade, em seus comércios, restaurantes, cinemas, meios de comunicação e transporte, ou instâncias de representação política.

Desse modo, um importante passo para uma modificação desse cenário é a implementação da educação verdadeiramente inclusiva, que favoreça o natural convívio com a diferença e a necessidade de se pensar os desafios que ele inevitavelmente promove.

Outro papel importante a ser atribuído à educação se refere à necessidade de serem incluídos, tanto no currículo formal quanto na vida de relação das comunidades escolares, a temática da formação para os direitos humanos e o exercício da cidadania por todos, pessoas com e sem deficiência. Esse parece ser um aspecto essencial, na medida em que quaisquer mudanças que impliquem o enfrentamento a processos de preconceito, discriminação, segregação e exclusão, tanto dirigidos às pessoas com deficiência quanto a outras minorias sociais, envolve a compreensão de um compromisso que é de todos e de cada um em particular. Novamente, nomear esse compromisso e esse projeto de sociedade, munindo os sujeitos de recursos e ferramentas para serem críticos e ativos em sua construção, é dar-lhe sentido e concretude.

Qual o papel das pessoas com e sem deficiência na luta contra o capacitismo?

O diálogo. Lutar contra o capacitismo está em relação direta com a construção de uma sociedade igualitária e inclusiva. Essa construção é um processo de mão dupla: é necessário que as pessoas com deficiência sejam ouvidas, explicitando suas experiências e necessidades. Entretanto, não podem ser elas as responsáveis exclusivas por esse protagonismo, sob pena de ser perpetuado o status quo no qual é atribuída aos sujeitos excluídos a responsabilidade de “superarem” os obstáculos que lhes são impostos, em postura heroica, digna de louvor, mas que mascara a responsabilidade coletiva por aqueles e aquelas que simplesmente não encontraram quaisquer condições que lhes favoreçam o próprio desenvolvimento. Não se pode exigir que sujeitos a quem foram negadas as ferramentas e recursos para desenvolver a própria voz sejam os responsáveis por oferecer os caminhos para mudanças necessárias, sem que esse movimento acarrete na ampliação do processo de exclusão. Assim, cabe às pessoas sem deficiência o papel ativo de ouvir, conhecer, tornarem-se conscientes da temática, buscarem a realização de ações que contribuam para a construção de ambientes físicos e sociais cada vez mais acessíveis à diversidade humana, tanto nos contextos das relações mais próximas, quanto nas instâncias sociais e políticas mais amplas.

Como a Psicologia pode contribuir na luta pela inclusão social da pessoa com deficiência?

A Psicologia possui um arcabouço teórico bastante amplo, que inclui o reconhecimento de que o processo de desenvolvimento humano é complexo, singular, irrepetível, sem terminalidade no tempo, grandemente marcado pela forma como os sujeitos são recebidos e interagem com o contexto social mais próximo e mais amplo. Assim, é papel da Psicologia atuar, nos mais diversos espaços, para implementar ações que favoreçam a promoção desse desenvolvimento psicológico pleno de todos os sujeitos.

Para isso, entretanto, é fundamental que, como ciência, a psicologia atue de forma politicamente consciente. Não existe produção intelectual politicamente neutra, o que é real tanto para a Psicologia quanto para quaisquer ciências, e a história da psicologia demonstra esse fato de forma bastante clara. Reconhecer essa realidade implica a necessidade de que a Psicologia e as/os profissionais psicólogas/os tornem-se conscientes acerca dos valores e vieses que estão imbricados em suas formulações teóricas e em sua prática profissional, dentro e fora da academia. Toda atuação profissional está sempre assentada em um projeto de sociedade e em bases éticas. É importantíssimo que os profissionais estejam conscientes delas, realizando escolhas conscientes a respeito, sob pena de perpetuar, inadvertidamente, processos perversos de exclusão.

A opção por uma atuação profissional que favoreça o desenvolvimento de todos os sujeitos, nos vários contextos de trabalho da psicologia, e a construção de uma sociedade menos desigual, não é propriamente de ordem científica, mas de ordem ética. Cabe à Psicologia utilizar suas ferramentas e recursos para comprometer-se com esse projeto.

Você poderia contar um pouco da sua experiência como psicóloga e pessoa com deficiência?

Essa é uma pergunta muito ampla! Sou uma mulher com deficiência visual. Encontrei, ao longo do meu desenvolvimento, uma série de apoios que me permitiram estar, hoje, em um lugar valorizado no que se refere à formação acadêmica e à inserção profissional.

Reconheçamos, inicialmente, os privilégios de raça e classe, já que ser branca e de classe média representa um fato que não pode ser ignorado, quando falamos de interseccionalidade. Tive acesso a uma educação inclusiva e a apoios diversos, tanto na família quanto profissionais, que me permitiram um desenvolvimento acadêmico muito favorável. Nos espaços acadêmicos, inclusive na universidade, também encontrei receptividade e adaptações pertinentes.

Minha experiência profissional ocorreu, majoritariamente, no serviço público, onde atuo, como psicóloga, há 14 anos, tendo encontrado, por parte das instituições onde trabalhei e nos colegas, apoios importantes a meu desenvolvimento profissional.

Entretanto, os desafios sempre se fizeram presentes na minha trajetória. Em diversas ocasiões, os apoios e ferramentas mencionados logo acima não vieram sem pressão e sem tensões junto a pessoas e instituições. Preconceitos na escola, negativas de adaptações de espaços ou provas, estranhamentos e desvalorização de minhas capacidades pessoais e profissionais, dificuldades para estabelecer e manter relações nos espaços públicos são todos aspectos que compõem meu desenvolvimento. Sou casada com um homem também cego, e mãe de uma menina de 5 anos sem deficiência. O exercício desses papéis familiares, a entrada nos espaços públicos como pessoa com deficiência responsável e capaz de exercer papéis de cuidado, as dificuldades da rotina cotidiana que se referem à falta de acessibilidade no espaço urbano e o quanto isso afeta minha autonomia são tantos outros aspectos sobre os quais poderíamos dialogar por longo tempo.

Ter, já na vida adulta, compreendido minha condição de pessoa com deficiência como fator identitário é bastante importante, por me permitir uma aproximação com pautas coletivas e me propiciar maiores e novas ferramentas de inserção no espaço público.

#DescreviParaVocê: Na imagem, há um fundo branco, uma barra vermelha, a marca gráfica do CRP 01/DF e uma foto da psicóloga Aline Wanderer acompanhada pelo texto 21 de setembro - Dia de Luta da Pessoa com Deficiência. Entrevista com a psicóloga Aline Wanderer (CRP 01/13215). Há também ilustrações de aspas com uma fala de destaque da entrevistada: “A opção por uma atuação profissional que favoreça o desenvolvimento de todos os sujeitos, nos vários contextos de trabalho da Psicologia, e a construção de uma sociedade menos desigual, não é propriamente de ordem científica, mas de ordem ética. Cabe à Psicologia utilizar suas ferramentas e recursos para comprometer-se com esse projeto.”



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