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ENTREVISTA COM TÂNIA MARA CAMPOS DE ALMEIDA NO DIA MUNDIAL DA RELIGIÃO

ENTREVISTA COM TÂNIA MARA CAMPOS DE ALMEIDA NO DIA MUNDIAL DA RELIGIÃO


| CRP 01/DF ENTREVISTA |

Dia Mundial da Religião e Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa

Tânia Mara Campos de Almeida fala com o CRP 01/DF sobre a importância da religiosidade na Psicologia

No dia 21 de janeiro – dia que marca o combate à intolerância religiosa no Brasil e, internacionalmente, é celebrado o Dia Mundial da Religião –, o Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal entrevista a cientista social Tânia Mara Campos de Almeida, integrante de grupos de pesquisa e redes acadêmicas que possuem temas e objetos envolvendo reflexões psicossociais.

Tendo em vista que a religião dentro da Psicologia ainda é considerada por muitos um tabu, no último mês (dezembro/2017), o CRP 01/DF criou a Comissão Especial de Psicologia e Religiosidade (CEPR). Ela tem o objetivo de proporcionar espaços de diálogo com a categoria e capacitação de profissionais para lidar com os assuntos que permeiam a espiritualidade.

Como mestra e doutora em Antropologia e pós-doutora em Psicossociologia (curso que concluiu na França), Tânia Mara destaca a urgência e necessidade de a religiosidade ser estudada, discutida e abordada no contexto da Psicologia, enquanto ciência e profissão. Ela já foi professora tanto do mestrado, quanto da graduação de Psicologia na Universidade Católica de Brasília (UCB) e, atualmente, leciona no Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB). Aos 29 anos de profissão, a própria cientista (também bacharela em Sociologia) enxerga uma deficiência na formação acadêmica de psicólogas(os) no que se refere a esse tema, possivelmente provocada pelo cientificismo. Essa e outras questões acerca da Religiosidade e Psicologia foram tratadas na entrevista. Confira:

CRP 01/DF: Em que consiste a intolerância religiosa? Como podemos caracterizá-la, identificá-la e classificá-la?

Tânia Mara: Trata-se de sentimentos e entendimentos de superioridade por parte de pessoas e grupos em relação à pluralidade de crenças e vínculos religiosos. Expressam-se, em geral, via comportamentos e práticas discriminatórias e desrespeitosas, que afirmam serem os “outros” inferiores, desprezíveis e ignorantes da verdadeira transcendência. Assim, justificam suas atitudes e atos verbais agressivos, ofensivos e impeditivos do exercício individual da liberdade de crer e de suas respectivas manifestações.

Há atos brutais de intolerância religiosa, que chegam a ser classificados como crimes, ao destruírem patrimônio religioso, colocarem a vida de outrem em risco e violarem a dignidade alheia. Também, no Brasil, encontra-se o racismo entremeado à intolerância religiosa, uma vez que têm sido as religiões afro-brasileiras e seus praticantes os mais atacados em nome de uma “guerra santa” em busca de extirpar o “mal” e o “atraso” da sociedade. A intolerância religiosa tem sido dirigida a seus símbolos, ritos e entidades, que trazem em si tradições negras e ameríndias, revelando-se assim uma forma de racismo.

CRP 01/DF: Como a intolerância religiosa afeta a saúde mental e as relações humanas? Quais consequências atitudes desse cunho podem gerar?

Tânia Mara: A intolerância religiosa está instalada em um ambiente de poder e hierarquia, disseminando a violência, o ódio, o medo e, no caso brasileiro, o racismo. Ao inibir as pessoas em suas livres expressões e vivências, o que é extremamente nocivo ao equilíbrio mental, à compreensão e sentido de si e do mundo, procura exercer o patrulhamento e o controle da diversidade humana, que é a base da democracia, da justiça social, do equilíbrio saudável das relações sociais e da riqueza cultural do nosso povo. Quem sofre a intolerância, pode chegar a situações constantes de tensão, pânico, vergonha e baixa-autoestima, configurando estados de depressão, isolamento, culpa e mal-estar. Crianças negras ou candomblecistas, por exemplo, passam por bullying dos colegas, sofrem por serem rotuladas negativamente e sentem-se constrangidas ao se declararem integrantes de comunidades de terreiro na escola, acabando por rejeitar suas origens ancestrais sob conflitos e inseguranças que lhes marcarão por muito tempo.

Paralelamente, a pessoa ou o grupo de pessoas que se identifica com aquele que deve censurar e reprovar as crenças alheias revela, em si, forte autoritarismo, dificuldade em lidar com o "outro" e em negociar com a diferença, o que aponta para a existência nele de problemas de fundo ético e emocional. Afinal, quem vive em uma sociedade constituída por diferentes grupos e por uma enorme pluralidade de identidades individuais/sociais precisa estabelecer interações a partir do respeito, do bom-senso e da igualdade entre pares. Logo, essa pessoa ou grupo tão auto-centrado também se revela com necessidade de limites oriundos do poder público, noções básicas de cidadania em programas (re)educativos e apoio psicossocial.

CRP 01/DF: Na conjuntura brasileira, os temas relacionados à religião são ainda pouco explorados pela Psicologia. A que se deve esse afastamento? Como a religiosidade tem sido abordada pelos profissionais de psicologia e também no âmbito acadêmico?

Tânia Mara: De fato, são temas pouco explorados. A Psicologia fundou-se como ciência a partir de processos de secularização que visavam banir as religiões e as religiosidades da posição de saber legítimo e autorizado sobre o sujeito e o mundo moderno. Vários autores do início da Psicologia consideraram os vínculos e as crenças religiosas como uma dimensão humana "infantil", "primitiva", um obstáculo ao desenvolvimento de processos de subjetivação correspondentes à Modernidade nascente, a qual estabelecia novos ethos, representações sociais, modos de sociabilidade e sensibilidades no Ocidente.

Essa tradição se perpetuou por muito tempo, firmando-se como o modelo de racionalidade científica a ser seguido. Atualmente, esse tema tem produzido maior interesse, teorias, pesquisas e estudos na Psicologia, abrindo-a para um fecundo diálogo interdisciplinar e levando-a a revisar parâmetros científicos. Os profissionais e os acadêmicos têm se conscientizado sobre sua importância e urgência, seja por meio de suas próprias experiências religiosas, de seus clientes e de usuários dos serviços de Psicologia, seja por meio da observação da realidade contemporânea e, particularmente, da brasileira, a qual nunca deixou de contar com a presença forte das religiões e religiosidades em seus âmbitos público e privado.

CRP 01/DF: Qual a importância de se pensar, estudar e discutir religiosidade, tanto na esfera da saúde mental, quanto mais amplamente, no contexto da Psicologia Social?

Tânia Mara: O conhecimento do humano em sua complexidade e profundidade exige pensar, estudar e discutir esses temas e o ambiente de intolerância religiosa hoje instalado em várias partes do mundo, o qual infelizmente começa a se desenhar no nosso país. A saúde mental, o sofrimento psíquico e a constituição do sujeito, objetos clássicos da Psicologia, não têm como serem abordados sem se considerar as fortes ligações religiosas que movem, por exemplo, recentes eleições políticas, discussões sobre leis contra a homofobia e definições de tratamentos em clínicas religiosas para dependentes químicos com recursos públicos. Soma-se a isso as intervenções preventivas que a Psicologia, em atuação escolar, em instituições de saúde e em organizações de trabalho, por exemplo, pode realizar, promovendo debates, estimulando a reflexão (auto)crítica, enfim, ajudando as pessoas a lidarem com tais questões em perspectiva cidadã, responsável e dialógica.

CRP 01/DF: O que ainda é necessário mudar na Psicologia para que a religiosidade esteja mais presente? O que os usuários de serviços psicológicos ganhariam com isso? Existem prejuízos?

Tânia Mara: Os profissionais de serviços psicológicos precisam se dispor a conhecer em maior profundidade a produção acadêmica atualmente existente no país a respeito do tema, a qual é bastante qualificada e relevante. Reconhecer a importância desse tema nos fatos sociais e nas vivências pessoais é um grande passo para não deixá-lo de fora dos atendimentos e intervenções psicológicas, retirando assim parte identitária significativa dos usuários da escuta, da aproximação e da compreensão realizadas pelos profissionais. A sua inclusão na prática profissional deve ser feita com respeito e ética diante do sentido e da motivação a ações, sentimentos e pensamentos que esse tema oferece às pessoas, sendo um importante espaço simbólico, emocional, enfim, psíquico de (re)elaboração, cuidado de si e do outro. Isso pode auxiliar os profissionais a localizarem potenciais criativos de superação de dificuldades emocionais e de reconstrução da vida a partir de onde o sujeito se move e significa o que lhe ocorre.

CRP 01/DF: Com quais habilidades, técnicas e cuidados o profissional de Psicologia precisa atentar-se ao lidar com a religiosidade de pacientes e usuários?

Tânia Mara: É fundamental esse tema estar presente na formação curricular em Psicologia, aprofundada e consistente, para que o futuro profissional não se veja despreparado ao chegar ao mercado de trabalho. Já que tais questões estão presentes nos hospitais, nos presídios, nos Centros de Atenção Psicossocial, nas escolas etc., o seu silenciamento nas universidades e faculdades, muitas vezes em nome do cientificismo, acaba levando a dois equívocos:

Primeiro, a identificação da prática profissional com a ciência que exclui esse tema da vivência humana, ignorando, desprezando ou tratando-o como mera superstição a ser superada não tem sido mais afirmada por se mostrar anacrônica e invizibilizar a relevância dele para os sujeitos e para a nossa sociedade. Além disso, se esse posicionamento intenciona proteger a laicidade do Estado, pois grupos fundamentalistas religiosos tentam ultimamente enfraquecê-la, os psicólogos acabam perdendo a oportunidade de refletir e debater sobre o espaço adequado e construtivo da religiosidade e da religião em uma república democrática de direitos e na perspectiva da justiça social.

Segundo, o referido silenciamento do tema na formação em Psicologia pode deixar o profissional a mercê de tratá-lo a partir de seus próprios paradigmas religiosos. A identificação da prática profissional com crenças e valores religiosos do psicólogo deve ser permanentemente revisada para que não ocorra um deslize do distanciamento fundamental ao encontro profissional em direção a um tipo camuflado de atos voltados para a conversão religiosa, abusando da autoridade terapêutica. Ou seja, a prática dos profissionais não pode se direcionar para um proselitismo religioso, que tenha a sua religião e religiosidade particulares como referências para a atuação e intervenção enquanto psicólogos. Afinal, isso também pode ser considerado como um tipo sutil e perigoso de intolerância religiosa.



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