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CRP 01/DF ENTREVISTA: 7 DE ABRIL: DIA MUNDIAL DA SAÚDE - SAÚDE MENTAL NO PÓS-COVID

CRP 01/DF ENTREVISTA: 7 DE ABRIL: DIA MUNDIAL DA SAÚDE - SAÚDE MENTAL NO PÓS-COVID




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7 de abril: Dia Mundial da Saúde - Saúde mental no pós-COVID

“Uma situação grave de sofrimento não se trata apenas de responsabilidades individuais, mas também de um compromisso de toda a sociedade em rever sua forma organizativa, investimentos em políticas estruturais e questionar lógicas vigentes de trabalhos precarizado” - Allice Rejany

Confira a entrevista com a especialista em Psicologia da Saúde Allice Rejany Nogueira Carvalho, que conversa com o CRP 01/DF sobre saúde mental no período pós-pandêmico. Allice é Psicanalista, possui Residência em Saúde Mental do Adulto (ESCS-DF), possui experiência na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do Distrito Federal, na Atenção Primária na Saúde Suplementar e na Atenção Terciária à Saúde Pública do DF (enfermaria e pronto socorro geral e psiquiátrico). Atualmente, a psicóloga atua como psicanalista em consultório particular e em ala psiquiátrica de hospital geral, além de cursar mestrado no Programa de Clínica e Cultura do Departamento de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Ela também compõe o coletivo antimanicomial Utopia Viva. 

Com toda sua experiência, Allice trouxe importantes pontos de reflexão acerca da atuação da Psicologia no presente contexto de pós-pandemia, no qual, segundo a Organização Mundial da Saúde, os efeitos podem ser percebidos por até cinco a dez anos após o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). Leia a íntegra da entrevista: 

CRP 01/DF: A pandemia da COVID-19 aumentou ainda mais os fatores de risco para problemas de saúde mental, incluindo desemprego, insegurança financeira, luto e perdas. Na sua percepção, como está a incidência de transtornos psicológicos no período pós-pandemia?

Allice: Penso que precisamos pensar mais em sofrimento do que apenas em categorias nosográficas e nosológicas, que são as classificações e categorizações, advindas de uma lógica psicopatologizante de questões que transcendem o campo da saúde. Quando há uma incidência de sofrimentos graves, eles se apresentam como uma caricatura da forma em que estamos organizados socialmente. Faz-se necessário pensar em saúde a partir de uma leitura que inclua variáveis, além do campo classificatório (transtornos psicológicos). O que vimos durante a pandemia e estamos vendo nesse pós-Covid são as consequências em níveis intensificados de faltas estruturantes e, aqui no Brasil, uma evidência da precarização de políticas fundamentais, como a política de saúde e de previdência social. 

CRP 01/DF:  Como as pessoas podem se cuidar para evitar a ocorrência ou o agravamento de transtornos psicológicos no momento pós-pandêmico em que estamos? 

Allice: Fica complexo atribuir a responsabilidade de um cuidado em saúde exclusivamente às próprias pessoas, em uma lógica individualizante, quando há uma precarização importante nos serviços de saúde, seja público pela falta de investimento, seja no contexto particular, com a precarização dos serviços ofertados por planos de saúde e as péssimas condições de trabalho para que profissionais possam qualificar a assistência prestada, o que também acontece no âmbito público. Poderia dizer aqui da importância de praticar exercícios físicos, ter uma boa alimentação, ter tempo para preservar laços de amizade, diminuir a carga de trabalho e tantas outras “dicas” para fomentar e manter uma saúde mental. Porém, uma situação grave de sofrimento não se trata apenas de responsabilidades individuais, mas também de um compromisso de toda a sociedade em rever sua forma organizativa, investimentos em políticas estruturais – como disse acima – e questionar lógicas vigentes de trabalhos precarizados, que obrigam muitas pessoas a terem duplas ou triplas jornadas, sem acesso a saneamento básico, creche para os filhos, etc. A pandemia evidenciou a fragilidade das políticas públicas no Brasil, principalmente a política de saúde. Claro, o sofrimento é inerente a experiência humana, a angústia é fundamental do ser humano, e mesmo em países com políticas bem estruturadas temos a incidência de sofrimentos graves. Mas, em uma sociedade que não garante uma estrutura básica, o que era da experiência humana, passa a ser “A” única experiência, que é de sofrimento.

CRP 01/DF: A OMS considera que a saúde mental deve estar no topo da agenda política pós-pandemia, a fim de enfrentar o agravamento das condições de saúde mental devido à pandemia da COVID-19. Partindo do pressuposto de que é dever de todas, todos e todes profissionais de Psicologia trabalharem visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades, na sua visão, quais políticas poderiam auxiliar?

Allice: Esse é um ponto fundamental. Conversa com o raciocínio que venho trazendo nessa entrevista, de coletivizar a problemática e construir respostas ao nível do problema, ou seja, complexas. É preciso investir em políticas nos diversos níveis e objetivar seus alinhamentos e comunicação. Um exemplo da discrepância entre o nível distrital e federal é o investimento maciço do governo federal em Comunidades Terapêuticas, na contramão do que preconiza a própria Política de Saúde Mental instituída pela Lei 10.216 de 2001. Não há estudos que demonstrem a cientificidade do “tratamento” ofertado por tais instituições. Pelo contrário, há relatórios evidenciando as violações de direitos humanos que ocorrem nessas instituições, como o Relatório de Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas de 2017, e claro, a forte luta dos Movimentos Sociais denunciando essa discrepância. Enquanto isso, há cada vez menos investimentos nos equipamentos substitutivos, nos Centros de Acolhimento Psicossocial (CAPS), nos leitos de saúde mental em Hospitais Gerais, sem contar que, há quase 11 anos, estamos sem concurso público para a contratação de psicólogas(os/es) na Secretaria de Saúde do DF, além da forte mercantilização do trabalho de psicóloga(o/e) nos espaços privados e públicos-privados. A Psicologia enquanto ciência e profissão têm um papel fundamental em evidenciar essa contradição atual e cabe às(aos) profissionais se posicionarem frente a essa situação. Não há possibilidade de produção de vida e de sua qualidade através de lógicas morais, repressoras e neoliberais. 

CRP 01/DF: No âmbito da saúde do DF, como a Psicologia está inserida hoje e como é possível expandir estrategicamente o modelo de gestão para melhorarmos os serviços de saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS) e demais contextos?

Allice: Bom, o nível de inserção de psicólogas(os/es) é muito básico, até vergonhoso, no nível público e privado. O déficit de profissionais de Psicologia na Secretaria de Saúde de mais de mil profissionais – teríamos que confirmar o número exato, mas gira em torno disso. A inserção no serviço privado é muito precarizada, sem um teto de horas, sem piso salarial… É claro que essa é uma questão sindical e de grande necessidade de politização da categoria, que ainda herda uma lógica individualizante e neutra em que há uma cultura de psicologizar questões trabalhistas básicas. Quando falamos da precarização do SUS, a intenção é também provocar a categoria a coletivizar suas necessidades, inclusive junto às outras categorias profissionais. A saída para melhorar e estruturar a gestão dos serviços é coletiva.

CRP 01/DF: Qual mensagem você gostaria de deixar às psicólogas, psicólogos e psicólogues do DF neste Dia Mundial da Saúde?

Allice: Que saibamos não cair no pessimismo da razão e materializar o otimismo da vontade.



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